1 de agosto de 2005

SEGUNDA PARTE - II (TARJINO)

Tarjino de Campos poderia ser considerado, de certa maneira, um homem culto. Sua erudição não lhe fazia ter bons modos ou praticar a literatura. Creio ser este o motivo de seu interesse pelo mecenato. A maledicência alheia o jogava na vala comum da esbórnia gratuita. Nunca me ative a esse tipo de pensamentos sobre sua pessoa, antes mesmo o admirava pela firmeza de propósito e pelos seus sentimentos pelas artes. Aliás, não poderia ser de outra forma. A boemia de meus dias, ou melhor, de minhas noites não me dariam direito a tal julgamento. Soube, certa vez, que Seu Tarjino teria sido casado com uma Senhora cujo o dote e o nome o teriam trazido ao mundo dos negócios através de seu espólio. Viúvo, sem filhos, dono de alguns armazéns e com algumas posses em bancos, homem solitário, mas bem vivo e espirituoso. Conhecia muito bem as noites dos cabarés e foi justamente numa dessas que nos encontramos. Havia uma linda lua e o cabaré estava repleto de lindas mulheres e perfumes diversos, bebíamos eu e um amigo casual, falávamos de poesia e sobre a filosofia vã e ao mesmo tempo lúdica das noites boêmias. Me lembro ter recitado uma pequena estrofe para o crápula quando o vi subindo nos balcões do cabaré gritando algo que parecia com o que tinha acabado de lhe dizer. Depois apontando pra mim chamou-me ao recital improvisado. Não me fiz de rogado e àquelas horas o pudor já havia de estar bêbado e cambaleante. A farra do ambiente inebriou-se e tudo ficou mais disposto àquela orgia. Havia na escada uma linda mulher a qual jurei ir tê-la numa conversa, jurei a mim mesmo. Quando indo em sua direção, a pensar mil palavras que lhe diria, me pára um senhor sorridente, pelo braço me tirava da direção do sorriso que me cativara. Era Tarjino. Convidava-me a um jantar em sua casa. Nunca mais vi aquele sorriso oblíquo de mulher. A boemia sempre nos impõe uma escolha: a esbórnia poética e viva da arte ou os lábios de uma mulher. Desta vez o destino quisera me pôr na esbórnia.
(Pedro de Helena - 01/08/05 - Continua...)

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